Esta narrativa estreia a seção “Boas histórias”, com relatos de situações inusitadas, cômicas ou importantes do dia a dia da vela. Se você tem uma boa história e deseja compartilha-la, encaminhe para publicar aqui.
Os velejadores passam muito tempo na água competindo e treinando. Mas também tem dia de faina! Faina é um termo náutico que significa “trabalho realizado em uma embarcação normalmente feito pela tripulação“. A faina é realizada periodicamente ou antes de uma grande competição.
O Campeonato Brasileiro de 29er e a Copa da Juventude são duas competições importantes que irão ocorrer na segunda quinzena de janeiro de 2020, portanto a faina é essencial! Nicolas Bernal, Gabriel Michaelis e Leonardo Didier empenharam dois dias de faina nos barcos. No último dia, a manutenção terminou tarde da noite e ainda faltava montar os três barcos na carreta rodoviária, já que no dia seguinte, sábado, a carreta iria ser transportada do Yacht Club Santo Amaro (YCSA), em São Paulo, para o Iate Clube do Rio de Janeiro (ICRJ. Nicolas, Gabriel e Leonardo estavam muito cansados! Colocaram os dois tubulões (tubos de PVC para transportar a vela) e os barcos na carreta e amarraram tudo com cuidado. Finalmente a 1h da manhã terminaram! Carreta pronta para o transporte!

No dia seguinte, sábado, logo cedo a carreta foi transportada para o Rio de Janeiro. Antes da saída, foi verificado se os barcos estavam bem amarrados. Depois de 6 horas de estrada os 3 barcos chegam ao Iate Clube do Rio de Janeiro em perfeito estado.
Na desmontagem da carreta, após a retirada dos cabos de amarra, viram a presença de somente um tubulão na parte de baixo da carreta! Onde está o outro? Eram dois tubulões!
Começam as perguntas: Quem desamarrou o tubulão? Alguém pegou o outro? Será que ficou em São Paulo? O borbulho se espalha. Liga para um, liga para outro … Todas as hipóteses eram analisadas. Por fim, chegaram à conclusão que o tubulão não ficou em São Paulo, pois os dois tubulões haviam sido colocados na carreta. O mais provável é que o tubulão tenha caído na estrada! Como caiu? Não estava amarrado?
Depois de algum tempo chegaram à constatação que ninguém havia desamarrado os tubulões da carreta após a chegada no ICRJ, ou seja, os dois tubulões vieram desamarrados e um deles, milagrosamente, chegou ao ICRJ sem cair.
O tubulão extraviado estava cheio de material. Continha várias velas, talas e extensões de cana de leme de Nicolas, Gabriel e Leonardo. O prejuízo era muito grande!
As concessionárias das rodovias foram contactadas e ninguém tinha informação a respeito de um “cano de esgoto branco com 20 cm de diâmetro e 2,2 m de comprimento”. Será que o tubulão estaria inteiro em algum lugar da estrada? Será que o tubo quebrou e a vela saiu voando? Será que alguém na estrada encontraria um “cano de esgoto” e devolveria? Analisamos a chance de conseguir recuperar o material: era muito improvável! Primeiro o tubo precisaria estar integro, alguém teria que avista-lo, teria que parar na estrada, teria que achar que aquele cano de esgoto tivesse algum valor, teria que pega-lo, teria que conseguir transportar no seu veículo e, por fim, teria que ter a boa vontade de entrar em contato para devolve-lo.
É claro que nesse momento os “meninos” já tinham escutado muitos #!%&@!#!U!!!.
Bom, era hora de contabilizar o prejuízo e ir para o plano B: conseguir a reposição do equipamento perdido a tempo para poder participar da Clínica, do Campeonato Brasileiro e da Copa da Juventude. Foram contatados os colegas para verificar o que pode ser comprado ou emprestado, os fornecedores locais e as pessoas no exterior para verificar as opções de compra (o prazo era crítico).
No final da tarde de domingo (mais de 24hs depois), o YCSA recebe a ligação de uma pessoa chamada Wilson que “achou uma vela na estrada” que era de um velejador do YCSA. No meu pensamento veio a imagem de uma vela sendo levada pelo vento na estrada e alguém pegando ela. Ao menos era um sinal de vida (ou morte).
Ao entrar em contato, Wilson informou que encontrou um tubo (… ops, já era um bom sinal haver um tubo) com material dentro (… ops, alguma coisa restou) na região de Volta Redonda e que estava intacto (… inacreditável). Ele usou o número que havia na vela, pesquisou na Internet e encontrou reportagens dos velejadores com o nome do YCSA. Conseguiu o telefone e entrou em contato com a secretaria do YCSA.
Era um milagre! Além de tudo saber que o tubulão parecia estar intacto. Wilson informou que estava dirigindo pela Rodovia Dutra indo realizar um trabalho no Rio de Janeiro quando viu “aquilo” caído no acostamento. Achava que “aquilo” era uma barraca (? estou desatualizado dos modelos modernos de barraca), pegou e prendeu no carro. Somente no dia seguinte, quando voltou para casa em Volta Redonda foi ver o que era “aquilo” que tinha encontrado na estrada. Imagino a dificuldade em saber como abrir aquela tampa com um monte de silver tape e depois soltar a tampa! Quando mandou as fotos não acreditamos: o tubulão estava intacto e o material todo estava lá!

O improvável aconteceu: o tubulão estava intacto, alguém o viu na estrada, achou que tinha algum valor, pegou, conseguiu transportar no carro, conseguiu descobrir do que se tratava, conseguiu descobrir de quem era e entrou em contato!
Era domingo a tarde e precisava decidir como pegar o tubulão em Volta Redonda. Uma opção seria sair de São Paulo e ir para Volta Redonda (4 horas para ir) e voltar (4 horas para voltar) perfazendo, no mínimo, 8 horas de ida e volta. Muito tempo! Além disso, seria necessário levar depois o tubulão para o Rio de Janeiro. A ansiedade gritava para pegar já e a lógica sugeria aguardar, afinal nada iria estragar. Na próxima semana iria levar o bote de apoio para o Rio de Janeiro e passaria por Volta Redonda. Nenhum material do tubulão era necessário com urgência. Essa era a melhor alternativa.
Então foi combinado com Wilson pegar o tubulão em Volta Redonda no próximo sábado.

Assim foi feito. O encontro com Wilson ocorreu no sábado por volta das 14h30 no posto FlumiDiesel em Barra Mansa.

Obrigado Wilson Sales. Pessoas como você nos fazem ainda acreditar nas pessoas, acreditar no Brasil!
[ Autor: Volnys Bernal ]